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Fábrica de ímanes de terras raras aumenta competitividade europeia

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Fotografia DM

Luísa Teresa Ribeiro

Chefe de Redação

Publicado em 16 de setembro de 2025, às 19:45

Unidade de produção vai ser inaugurada na próxima sexta-feira, 19 de setembro, na Estónia.

A Neo Performance Materials inaugura na próxima sexta-feira, 19 de setembro, em Narva, na Estónia, perto da fronteira com a Rússia, a primeira fábrica de ímanes permanentes de terras raras no espaço da União Europeia (UE).

Representando um investimento de 75 milhões de euros, com um apoio comunitário de 14,5 milhões, através do  Fundo para uma Transição Justa, a nova unidade de produção vai reduzir a dependência em relação à China, que domina o mercado global do setor, e aumentar a competitividade europeia ao produzir ímanes para a indústria automóvel e turbinas eólicas.

Numa região em que, há três anos, havia cerca de 6 mil desempregados, fruto da redução da extração de xisto betuminoso, indústria altamente poluente, a empresa canadiana avançou com uma fábrica na qual os óxidos magnéticos de terras raras de alta pureza são transformados em ímanes sinterizados de neodímio-ferro-boro.

A matéria-prima provém da fábrica de separação de terras raras de alta pureza, como neodímio, disprósio e térbio, que a Neo Performance Materials possui há 15 anos em Sillamäe, a aproximadamente 30 quilómetros da nova unidade, ambas na região de Ida  Virumaa, no nordeste da Estónia.

Com instalações de 25 mil metros quadrados, a fábrica tem a capacidade para produzir cerca de 2000 toneladas de blocos magnéticos por ano, quantidade que é suficiente para equipar cerca de 1,5 milhões de veículos elétricos. Estes ímanes são fabricados seguindo as especificações altamente reguladas da indústria automóvel europeia e do setor das turbinas eólicas.

A unidade arranca com 80 trabalhadores, de 14 nacionalidades, uma vez que atraiu mão de obra altamente qualificada de vários pontos do mundo. O número deverá fixar-se entre os 300 e 400 funcionários, quando a unidade estiver em pleno funcionamento, existindo um plano para um aumento na segunda fase, que pode elevar a capacidade de produção para 5000 toneladas por ano.

 

«A Europa no seu melhor»

O vice-presidente de desenvolvimento empresarial da Neo Performance Materials, Vasileios Tsianos, considera que a instalação da fábrica de ímanes permanentes de terras raras em Narva mostra «a Europa no seu melhor». «Narva é onde a Europa começa, não onde ela acaba», afirma.

Numa apresentação a jornalistas europeus, entre os quais o Diário do Minho, no interior da fábrica, este responsável destacou a velocidade com a qual todo o processo decorreu, desde a aprovação das verbas do Fundo para uma Transição Justa, em 2022, obtenção de licenças – na Estónia tudo é feito por via digital –, construção das instalações, concluída a tempo e dentro do orçamento, instalação de equipamentos e contratação de pessoal. Foram «500 dias», que mostram a face «competitiva» da Europa, argumentou.

Explicando os pergaminhos internacionais da empresa, que tem sede em Toronto (Canadá) e opera em geografias como China, Tailândia, Singapura, Alemanha, Reino Unido ou EUA, sublinhou o cumprimento do Regulamento Europeu de Matérias-Primas Críticas, que estipula metas até 2030 para o uso de matérias-primas estratégicas provenientes da extração, processamento e reciclagem no interior do espaço comunitário.

Vasileios Tsianos enfatizou o contributo da nova fábrica para a transição energética e para o aumento da competitividade europeia, uma vez que estes ímanes «são economizadores de energia». «Ao usar dois quilos destes ímanes no motor, um fabricante de carros elétricos pode reduzir até 30% o tamanho da bateria, mantendo a mesma autonomia», declarou, referindo o impacto desta inovação na diminuição do preço final do veículo.

O mesmo se passa com a utilização destes ímanes nas turbinas eólicas no mar, permitindo reduzir os custos de manutenção e melhorar a interoperabilidade daquelas estruturas com a rede elétrica. Os ímanes são aplicáveis a outras tecnologias, tais como a robótica, a automação e a microeletrónica.

O responsável revelou a aposta na reciclagem, sendo que não há desperdícios de materiais no processo de produção. Os ímanes são recicláveis, sendo um contributo para o cumprimento da meta de pelo menos 15 % do consumo anual de matérias-primas estratégicas deve provir da reciclagem na UE, até 2030, apontada no Regulamento Europeu de Matérias-Primas Críticas.

A unidade já está a produzir e a enviar amostras para os primeiros clientes alemães, franceses e norte-americanos. A empresa anunciou recentemente que ganhou um contrato de fornecimento para um importante fornecedor europeu de motores de tração para veículos elétricos.

 

Um símbolo

A imagem de um íman permanente de terras raras produzido na fábrica da Neo Performance Materials em Narva, na Estónia, correu o mundo quando a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, levou este objeto para a Cimeira dos G7 no Canadá, no passado mês de junho.

«Este pequeno objeto conta uma história muito maior – uma história que estamos a escrever juntos», disse a responsável europeia aos parceiros do grupo das sete das economias mais avançadas do mundo, composto pela Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido.

A dirigente criticou as práticas da China – país que processa cerca de 90% do fornecimento mundial de terras raras e fabrica 94% dos ímanes permanentes – e apelou a uma resposta comum. «Para sermos eficazes, temos de cooperar entre parceiros com os mesmos valores», afirmou.

No lançamento do projeto, em 2023, já tinha defendido que estes ímanes «são indispensáveis para o crescimento e inovação em setores como a mobilidade elétrica, a energia eólica e a microeletrónica», uma vez que «prometem baterias mais leves, menor consumo de matérias-primas críticas e maior eficiência energética». Sublinhou que este é um marco para o espaço comunitário, ao implementar a «primeira cadeia de abastecimento “da mina ao íman” da Europa».

Este é o primeiro projeto a entrar em funcionamento com o apoio do Fundo para uma Transição Justa, um instrumento financeiro da UE que se insere no âmbito da Política de Coesão e que visa prestar apoio aos territórios que enfrentam graves desafios socioeconómicos decorrentes do processo de transição para uma economia com impacto neutro no clima.

A Estónia recebe um apoio de 354 milhões de euros deste fundo, sendo 273 milhões de euros para a vertente de “Economia e trabalho” e 66,7 milhões de euros para “Ambiente e inclusão social”.

 

Terra de fronteira

A inauguração da fábrica de ímanes permanentes de terras raras pôs Narva sob os holofotes internacionais. Sendo a terceira cidade da Estónia em termos de população, a seguir a Tallinn (a capital) e Tartu, esta localidade de aproximadamente 55 mil habitantes vive marcada pela fronteira com a Rússia.

Em Narva, a fila é longa para o controlo fronteiriço que permite a entrada na localidade russa de Ivangorod, só sendo possível atravessar a pé. A circulação automóvel está permanentemente encerrada e a fronteira funciona apenas das 7h00 às 23h00 para a travessia pedonal, o que provoca longas esperas, que podem ir de 6 a 15 horas, dependendo do número de pessoas e dos itens para serem inspecionais pelos serviços da fronteira.

Esta fila é composta por pessoas de todas a idades. Há quem espere de pé e quem aguarde a sua vez sentado em cadeiras ou em bancos portáteis, com malas, mochilas e sacos plástico. Há população da região e turistas, sendo que esta entrada é muito usada por quem se dirige para S. Petersburgo, que fica a 150 quilómetros de distância.

Sem qualquer proteção, há quem pernoite ao relento para não perder a vez, num território com um inverno com neve, em que as temperaturas podem chegar aos 10 graus negativos.

Em termos económico-sociais, esta área está a sofrer o impacto da transição energética, com a substituição do uso de xisto betuminoso por fontes de energia mais limpas, sendo por isso uma das beneficiárias do Fundo para uma Transição Justa.

A zona tem um passado industrial relevante, com destaque para a antiga Fábrica Kreenholm, uma das maiores unidades têxteis da Europa, que chegou a ter mais de 11 mil trabalhadores, produzindo mais de 200 milhões de metros de tecido por ano. Esta fábrica foi fundada 1857 por Ludwig Knoop, tetravô de Ursula von der Leyen, tendo funcionado até 2011.

As taxas de desemprego e de pobreza da cidade são superiores à média da Estónia, numa comunidade em que mais de 95% da população tem o russo como língua materna. No tempo da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), a região foi alvo de uma política de afastamento da população local e de migração interna, que promoveu a vinda de trabalhadores russos.

Com a independência da Estónia, em 1991, a população russa permaneceu, assim como o ensino da língua. O país está atualmente a introduzir reformas no sistema de ensino, para que todas as escolas públicas passem a ensinar em estónio. O objetivo é que o russo passe a ser, até 2023, uma língua estrangeira. Os professores passam a ter de demonstrar proficiência em estónio para poderem continuar a lecionar.

Uma particularidade é a existência de passaportes cinzentos para cidadãos que, com a queda da União Soviética, não pediram nem o passaporte estónio nem o documento russo, cifrando-se que cerca de 6% da população do país esteja nesta condição. Os detentores do passaporte cinzento podem viver, trabalhar e aceder a serviços públicos, mas estão impedidos de votar nas eleições parlamentares da Estónia e de ocupar cargos públicos que exijam cidadania estónia.

A cidade de Narva também se tem tornado num ponto procurado pelos turistas, sendo este setor uma das esperanças para a dinamização da economia local. Um dos pontos essenciais da visita é o Castelo Hermann, que tem do outro lado do rio Narva, na Rússia, a fortaleza de Ivangorod.

O castelo de Narva remonta ao século XIIII, fundado por dinamarqueses, que depois venderam a área à Ordem dos Cavaleiros Teutónicos, tendo sido posteriormente reforçado pelos suecos. Atualmente tem como um dos principais pontos de atração a torre, que mede cerca de 50 metros de altura, funcionando também como museu.

Mesmo em frente, com as águas a fazerem a separação, existe a fortaleza de Ivangorod, fundada em 1492, por Ivan III da Rússia, tendo sido ampliada nos séculos XVI e XVII.

Nas margens do rio existe uma promenade, na qual é possível ver marcadas no chão as datas de adesão à União Europeia dos diferentes estados-membros. As obras da zona ribeirinha foram levadas a cabo com apoio financeiro europeu, através de projetos de cooperação transfronteiriça entre a Estónia e a Rússia. Nesta zona também possível embarcar num cruzeiro turístico pelo curso de água que faz fronteira entre a Estónia e a Rússia.

Em matéria de arquitetura, a cidade foi marcada pelo Barroco de Narva, mas os combates da II Guerra Mundial destruíram quase totalmente este legado. Em termos históricos, destaque para o edifício da Câmara Municipal, projetado por Georg Teuffel, e construído entre 1668 e 1671. Também danificado durante a II Guerra Mundial, foi reconstruído nos anos sessenta e alvo de obras de requalificação entre 2021 e 2023. Nesta área existe a Praça Estocolmo, um novo espaço público, resultando de um projeto de revitalização urbana da parte histórica da cidade.

Em relação a equipamentos culturais, destaque para o Museu de Narva. O espólio foi colecionado por Glafira Lavretsova, esposa do comerciante local Sergey Lavretsove. Esta família doou o acervo e um fundo para a sua manutenção, tendo a estrutura museológica sido inaugurada em 1913.

 

*Em Narva, Estónia, a convite da Comissão Europeia.